Desabafos de um acadêmico no último ano de medicina
Atualizado: 2 de mai. de 2024
Texto adaptado do livro publicado pela instituição. Escrito em 23/10/2023 por Carlos Felipe.

Ah! São Chico. Por onde começar?
Antes de tudo, vou me apresentar. Para quem não me conhece, meu nome é Carlos, tenho 24 anos e sou acadêmico de medicina do UNIBH. Talvez, enquanto você lê isso, eu já tenha me tornado médico. Sou empreendedor, tenho uma empresa de Marketing (uma das minhas grandes paixões) e sou apaixonado por inovação em saúde. O meu grande sonho é transformar o sistema de saúde - dos pontos mais simples aos mais complexos. Tive a honra de ser interno de gestão em saúde (administração, gestão hospitalar, inovação e pesquisa) no São Francisco, também conhecido como FHSFA - Fundação Hospitalar São Franscisco de Assis, e é sobre isso que eu quero falar hoje.
Seria muito fácil da minha parte escrever esse texto. Poderia relatar um pouco de cada coisa que vivi, um pouco de cada setor que visitei, um pouco das certificações que adquiri - e todos ficariam satisfeitos. Mas hoje eu quero falar sobre transformação. Sobre um lema, às vezes explícito, mas a maioria delas implícito: cuidar do amor de alguém.
Viver o São Chico, respirar esse ambiente, estar cercado de pessoas comprometidas, e muito além disso, engajadas em cuidar do amor de alguém, foi uma experiência transformadora na minha vida. Eu não sei se você é acadêmico, se você é médico, profissional da saúde ou entusiasta. E realmente? Pouco ou nada importa de onde você vem e onde você está hoje. Lá, eu reaprendi a amar.
Sejam nos singelos “bom dia!”, na forma de sutura, no cuidado ao olhar no olho e no “tá tudo bem?”, foram poucas as vezes em que me senti tão amado. Não ironicamente, é engraçado pensar que o que nos torna humanos é algo que pode ser escasso. O amor é escasso hoje em dia. Se sentir amado? Raro.
O amor transforma. E ser amado nos faz amar. Dizem que a boca fala sobre o que o coração está cheio. Um coração cheio de amor não pode fazer outra coisa, se não amar.
Amar o porteiro, amar o faxineiro, amar o diretor. Amar àqueles que vieram de uma cidade a 800km daqui, os quais eu ainda nem sei o nome. Já amo. Não por ele, claro que não. Por mim. Por que esse sou eu, e é disso que eu sou feito.
É bom ser lembrado disso às vezes. Somos amados. Somos queridos. As pessoas se preocupam, de verdade e com muita intensidade, com a gente. Mesmo que não nos conheçamos tão bem.
Lá, conheci, vi e vivi de tudo. Me permiti viver “a experiência São Francisco” de peito e coração abertos. Pulei de ponta.
E que experiência! Dos corredores às aulas presenciais, dos entediantes momentos no escritório às visitas guiadas ao CTI. Poucas vezes na vida vi tantas doses tão genuínas de cuidado, de amor, de carinho. De querer o bem - e buscá-lo com todas as suas forças - para um completo desconhecido.
É difícil transcrever em palavras tamanho desejo e energia. Muito mais: transmitir, muito além de um lema, um estilo de vida. Creio que isso pode transformar o mundo.
Quantas vezes nos encontramos, em um dia corrido, deixando de ser 100% genuínos? Deixando de prestar o nosso melhor, a troco de um atendimento “não tão bem” realizado para alguém que precisa de 150%?Quantas vezes nos deixamos levar pela rotina, pelo cansaço, pelo desânimo? Aqui, eu lembrei do que me trouxe até aqui. O amor.
Já fazia algum tempo em que eu sentia falta disso. De medicina por amor. Amor de verdade, não uma frase bonita para postar no instagram.
Amor aos que precisam. E normalmente, quem precisa do médico? É o paciente que não está bom. O com as piores feridas. O que cheira mal. O que nenhum outro daria atenção - normalmente, o julgaria e o excluiria do convívio comum. É a esses que viemos.
E não viemos ao léu. Viemos para pegar na mão. Muito além de aferir a pressão, frequência cardíaca, fazer ectoscopia. Seriam infinitos os termos técnicos disponíveis para utilizar aqui. Viemos para pegar na mão. Antes de tudo, trazer conforto. Medicina é sobre cuidar, antes do curar. É sobre arte, e nós somos os artistas.
Não ironicamente, grandes personalidades são médicos. Guimarães Rosa, Da Vinci… JK. Sim, o presidente. Veterano de Guimarães Rosa na Faculdade de Medicina da UFMG. Aquela mesma, aqui no centro de BH. E nós (há muito) parecemos ter nos esquecido disso. Do que nos trouxe até aqui.
O médico é, antes de tudo, um ser especial. Não por sua posição, não pelo seu conteúdo. Especial por estar fora da caixa. Sempre fomos os mais diferentes, criativos, os mais inovadores, que prezam pelo bem, e lutam com todas as forças - mesmo que o custo seja a própria vida. Somos os espadachins entre a vida e a morte, a saúde e a doença. Somos a última instância a quem recorrer, quando nada ocorreu como deveria. Às vezes sinto que nos esquecemos disso.
Gosto de imaginar essa cena como uma luta em um coliseu. O jaleco é o manto, o estetoscópio (às vezes o bisturi) a nossa espada. Estamos cercados de leões diariamente, e ainda saímos (quase sempre) vitoriosos. A luta é real, a honra e a glória também. Que façamos por merecer, e que nossas cabeças se deitem com a certeza de que entregamos 200% da nossa capacidade. Que nos lembremos disso e, em todos os dias em que vestirmos a nossa capa e a nossa espada, estejamos prontos para lutar até o fim.
Ao São Chico: eu voltarei. Ainda espero que fisicamente. Se não, ao menos, saibam que um pedaço importante do meu coração foi moldado aí, a ferro e fogo. Vocês transformaram, mais uma vez, a vida de alguém. Creio que já estão acostumados, mas os conhecendo como os conheço, sei que tratam cada uma de forma individual. A honra foi toda minha.
Como diria Guimarães Rosa (e a forma que eu gostaria de terminar):
“Hoje, temos a impressão de que tudo começou ontem. Não somos os mesmos, mas somos mais juntos. Sabemos mais um do outro. E é por esse motivo que dizer adeus se torna tão complicado. Digamos, então, que nada se perderá. Pelo menos, dentro da gente.”
Saio daqui transformado. Claro, sabendo muito de gestão, inovação, ensino e pesquisa. Muito mesmo, o conteúdo é incrivelmente transformador. Mas, de tudo, o mais importante: com o coração e o espírito moldado. Com forma, jeito e cheiro de médico. E sem medo ou ego de seguir a minha vocação. Apenas amor. Com uma capa na mão e uma espada na outra, para lutar pelos que ninguém vê.